17 de abr. de 2009

Outro jogo


Recebemos o texto abaixo do Beni Borja, pensador da música e amigo do blog. Ao relacionar o momento atual com o processo revolucionário histórico, propõe boas reflexões. O título é um jogo com outro texto dele postado aqui.

* * *

Morreu o rei. Viva o rei!

Normalmente quando um rei morre, o povo já conhece o seu sucessor. Não há nenhuma confusão, nenhuma inquietação. O povo dá quinze minutos de atenção ao novo rei, e segue sua vida sem maiores sobressaltos.

Numa revolução, ninguém substitui imediatamente o rei destronado . Há sempre um momento de vazio de poder. Ninguém sabe quem manda , ninguém sabe a quem recorrer. Durante essa transição vive-se numa total incerteza sobre o futuro. Uma situação muito estressante, mesmo para não quer mandar em ninguém.

Nesse momento de confusão, os revolucionários proclamam que o poder acabou, que agora viveremos como cidadãos livres, independentes do poder dos outros. O povo se agita , cada um toma um partido, mas inevitávelmente o poder se reorganiza. E por fim um novo mandatário tomará o lugar do antigo.

Essa pequena lição básica de ciencia política pode ter alguma serventia , num momento como o atual.

Estamos vivendo tempos revolucionários no negócio da música.

Os reis (gravadoras) foram destronados. Antes elas tinham o poder de decidir quem ia ser popular e quem ia ficar tocando para as paredes. Não mais. No vácuo do poder, os revolucionários ( os "geeks" da vida) proclamam que viveremos todos felizes para sempre, sem poderosos. Cada um por si, numa família feliz.
Não creio.

Nessa altura do campeonato , imaginar que cada um de nós ,criadores de música ,vai se relacionar diretamente com seus fãs ,sem nenhuma intermediação corporativa, me parece uma visão de um inferno medieval. Para quem se preparou a vida toda para fazer música, ficar administrando "amigos" nos myspaces e orkuts da vida, parece uma condenação a um purgatório infinito.

Músicos querem fazer música, não querem administrar negócios.

A especialização do trabalho é um fato inescapável da vida econômica no nosso tempo. Quem faz arte ,se puder, se ocupará só de criar. Quem gerencia os negócios que surgem à partir da arte , tenderá a se ocupar exclusivamente de fazer dinheiro com a criação dos outros. Essa divisão de trabalho é um avanço da civilização, que não vai desaparecer só porque apareceu um novo modelo de negócios. Passado o momento de confusão , continuaremos tendo empresários e artistas.

Rezo e torço para que tenhamos no futuro um sistema de comercialização de música melhor do que aquele do qual ,sem nenhuma tristeza, agora nos despedimos . Um sistema mais inclusivo, mais respeitoso, que entenda os prazos e os compromissos da arte. Não sei o que o futuro nos reserva. Mas não é difícil enxergar que o poder está migrando dos detentores de música gravada para os promotores de música ao vivo.

Se o dinheiro está na música ao vivo , é de lá que devem sair os futuros poderosos fazedores de sucesso, que inevitávelmente surgirão.

Saudações musicais ,
Beni

11 comentários:

  1. Beni, você andou fazendo muita falta por aqui, mas muita falta mesmo. Esse tema que nos propomos a discutir é particularmente delicado porque se configura em um desses assuntos que inflamam tanto os cartesianos talentosos com o manuseio de números, quanto os flutuantes lúdicos não menos talentosos compositores de trabalhos artísticos. E o tanto que se torna complicado explicar para o último grupo a importância de se encarar o fluxo do público desse para aquele comportamento gerando essa ou aquela reação no mercado musical.. que afetará na sua conduta de marketing...Essa dificuldade é a mesma de se explicar para o primeiro grupo o porque de uma música dever ter um especial de trompete antes da parte C e/ou o porque da bateria parar e todo o ritmo ralentar logo depois da introdução, porque o baixo deve ficar sozinho fazendo uma frase enquanto um órgão hammond define uma linha rítmica e harmônica ao mesmo tempo, ou porque não deveria.
    As diferenças devem ser mantidas. Queiramos ou não temos focos diferentes diante da própria vida. Devemos discutir juntos mas entendendo que quando olhamos vemos mundos diferentes. É claro que existem exceções à essa tendência como o próprio Trent Reznor e alguns outros como meu parceiro Leoni que sempre tentaram ( e na maioria das vezes conseguem) com muito afinco viver de forma mis ou menos equilibrada nos dois lados da moeda. Só tenho a oferecer meu respeito e admiração à esses.
    Digo apenas é que o debate se torna mais fácil e produtivo se compreendermos tanto o lado de um quanto o de outro ao forjarmos teorias para tábuas de salvação. Afinal cada especialista vai sempre precisar do outro especialista.
    abçs da madrugada (2:25)

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  2. Humberto! Que saudade da sua presença aqui. Hoje passei o dia fazendo divulgação em Curitiba por conta de um show e para atrair pessoas para o site. A maior parte do tempo eu estava postando links e comentários no Twitter para que a galera do site pudesse me acompanhar online, pensando: "Seria tão bom se tivesse alguém comigo para fazer esse trabalho..." Mas acontece que não tem, nem vejo a possibilidade de ter alguém tão cedo sendo remunerado para isso.

    Então sou eu meu divulgador. É cansativo. Torço para que esse novo modelo previsto pelo Beni chegue logo.

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  3. Esse texto do Beni vem bem a calhar. São muitas coisas levantadas aí. A revolução digital está causando mudanças sociais e econômicas tão grandes quanto a revolução industrial, só que muito mais rápidas e talvez mais profundas. O entusiasmo provocado pelas novas possibilidades afetou a todos, de alguma forma. Em alguns, é mesmo próximo do fervor revolucionário do auge da Revolução Francesa (é essa a imagem que me vem), turbas destruindo Bastilhas, Assembleias condenando reis e no final os próprios revolucionários guilhotinando uns aos outros (espero que não cheguemos a esse estágio). Não nos esqueçamos que a carnificina toda em nome da Virtude acabou desembocando em Napoleão...

    Um aspecto do "inferno medieval" a que você se refere seria, para mim, uma cauda muito longa, mas sem rabo. Um mar de irrelevâncias com as pérolas, se conseguirem vingar, escondidas. Um caldo primordial onde contexto, significado e relevância sejam tão difíceis de achar como agulha em palheiro. Sem um princípio organizador mais forte, o destino é a entropia. Taí. Talvez ironicamente seja este o tal "fim da história".

    O auge do oba-oba em torno da internet 2.0, se não passou, me parece que está passando. Estamos entrando naquilo que nas novelas se chamavam os "momentos decisivos". Estamos começando a entender o tamanho do buraco. Novas formas de organização e modelos de negócio começam a espocar aqui e ali. Embora a comunicação mais direta e contínua com o público tenha chegado para ficar por um bom tempo, isso não elimina a figura do manager e de uma equipe que administre a carreira do artista. Como diz Andrew Dubber, "Artic Monkeys e Lily Allen não são superfamosos, ricos e bem sucedidos só por causa do MySpace ou porque eles milagrosamente atraíram uma multidão de milhares para o seu site caseiro. Ralações públicas, mídia tradicional, gravadoras e dinheiro estiveram todos envolvidos."

    Me questiono, no entanto, se não é precipitado dizer que o dinheiro está na músca ao vivo. O caminho que as coisas têm seguido recentemente tem nos pregado seguidas peças.

    Beni, você conhece o Andrew Keen, o autor de O Culto do Amador? Seu texto tem paralelos com coisas que li no site dele. O trecho abaixo é de um texto chamado Digital Feudalism, veja só:

    "What is interesting is that Tapscott is idealizing the pre-industrial romantic vision of the "craftsman shop" or "artist's studio" as the organizing principle of the digital age. I don't agree. Yes, he's right that the mass production of the industrial age is being replaced by the digital revolution. But I fear that our new epoch will be characterized by a new kind of hyper-individualism more akin to digital feudalism than to an idyllic new age of craftsmen and artists."

    Abraços!

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  4. Leo, my bro estou sempre por aqui, às vezes apenas praticando a difícil arte de ficar calado.
    Também gostaria de estar trabalhando com você e outros amigos em mais atividades, hoje nós músicos estamos fazendo esse tour de force para que a profissão volte a ser uma profissão. Às vezes o desânimo vence, mas ontem mesmo estava gravando em um estúdio para o trabalho de uma amiga e pensando em como somos bons agora, como flui fácil agora nessa fase da vida fazer música, como essa bagagem toda acumulada nesse tempo se apresenta em favor da coisa toda agora, como sai tanta música da mim de você de tantos amigos que nos cercam... exatamente nessa hora em que parecemos uns párias da sociedade novamente. Agora que queremos presentear nossos filhos com qualquer coisa melhor e não conseguimos nem imaginar de onde virá a grana do próximo condomínio, agora que poderíamos estar desfrutando também socialmente disso que a nossa preciosa bagagem nos oferece.
    Isso me entristece admito, mas é sentar ao piano and.................................

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  5. Isso me lembra o início da gravação do meu disco. Dunga disse - "Olha, já produzi vários discos, você está produzindo sozinho o seu? Você é louco." 10 meses depois eu assumo...sou louco, sou doente. Não dá pra administrar a produção artística e executiva num único cérebro, é insano e acredito eu, arriscado socialmente e fisicamente.
    E agora, depois de muitas ediçoes em Ptools, Software de ISRC (aprendi essa porra na marra), Templates para projeto gráfico, logos obrigatórias, especificações... (senti saudades das normas da ABNT na faculdade) vem a tal da distribuição/divulgação. Só uma palavra a dizer: FUDEU.

    Algumas soluções interessantes já chamaram minha atenção. O Fonomatic da tratore.com.br (já ouviram falar?) é interessantíssimo, atende as necessidades de pessoas físicas e artistas em geral que nao tem vinculo com pn.

    Já que existe o artista "tudo em um" poderia surgir uma nova profissão do lado executivo, um "webmasterdesignshowmanagertabajara..."


    Abraço!

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  6. Ainda que horrívelmente atrasado, respondo as considerações dos amigos:

    Humberto querido: No meu texto eu escrevi um parágrafo, que acabei cortando por conta da brevidade que o meio exige, em que dizia que a divisão de tarefas não devia significar a ignorância de um artista sobre o negócio da arte , ou do negociante sobre a natureza da arte.

    Verifico,nas respostas que recebo dos meus emails , que muitos artistas tem um profundo conhecimento e observações muito interessantes sobre o negócio da música. Ainda que nunca tenham se dedicado a gerir sua própria obra.

    O Leoni e o Trent Reznor, só são exceções porque se dedicam a discutir isso públicamente, mas grande parte dos artistas tem total compreensão do negócio da arte.

    A recíproca infelizmente hoje não é verdadeira. E isso é uma parte grande do nosso problema.

    A maior parte das pessoas que trabalham hoje no negócio de música , não tem a menor idéia da natureza do trabalho artístico. E mesmo os que tem , são levados a desconsiderar esse conhecimento, em função de uma estrutura de negócio que só quer saber de números trimestrais.

    Vou tratar disso com mais detalhes num outro email desses, brevemente ...

    Enquanto isso estamos todos nesse barco , tentando não afundar na tentação de ir fazer outra coisa da vida, que nos dê menos satisfação , mas pelo menos nos dê o mínimo de estabilidade, né?

    Marcelo:

    São muitas e muitíssimo interessantes suas observações . Esse papo seria muito mais produtivo ao vivo, na frente de um chopp...

    Aliás sugiro que vocês organizem um músicalíquida ao vivo, com urgência!!!

    O Ronaldo Bastos , respondendo o meu email anterior me sugeriu a leitura do "Culto do Amador", coisa que tentarei fazer brevemente.

    Quanto ao dinheiro estar em música ao vivo.. é apenas a constatação de uma realidade histórica. O dinheiro em música sempre esteve em espetáculos. No Brasil, vc. conta nos dedos de uma mão os artistas que ganham ou ganhavam mais dinheiro vendendo discos do que fazendo shows... A indústria do disco nos últimos cinquenta anos se tornou o foco da atividade musical porque ela por sua natureza exigia um capital, que antes nunca esteve disponível para a música.

    A natureza econômica diferente das atividades de serviços (espetáculos) e industrial (discos) é a essência da revolução que estamos vivendo.

    Atividades de serviços geralmente tendem a ter muitos atores econômicos , com pouco capital ,enquanto as atividades industriais tendem a uma consolidação em alguns poucos negócios com muito capital.

    Geovanni:

    Acho que a administração dos perrengues burocráticos que sobraram prá vc. é o menor dos prejuízos de não ter produtor.

    Produtor de discos não é um executivo, é antes um crítico-residente , uma pessoa em cuja opinião vc. confia. Uma pessoa que serve como interface entre o que vc. faz no seu quarto e o mundão lá fora.

    Acho que essa é a maior utilidade.

    abraços gerais,

    Beni

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  7. Beni,

    Essa sua percepção de que "muitos artistas tem um profundo conhecimento e observações muito interessantes sobre o negócio da música", só que não se colocam publicamente, me é muito animadora. Confesso que não era essa a minha impressão. Isso me dá mais otimismo no engajamento deles em oportunidades interessantes que se abram no futuro próximo.

    Pois é, O Culto do Amador está aqui na minha frente. Comecei a ler hoje de manhã.

    Sobre esse livro, aliás, li uma crítica interesante, apesar do título ser de pouco caso. Ele toca num ponto que, mesmo sem ter terminado de ler o livro, me parece importante: que ele foi escrito entre 2006 e 2007. Pois desde então muita água já passou debaixo da ponte. Muitas de suas críticas foram absorvidas e há uma pequena reação ao estado de coisas descrito por ele. Bom, vamos à leitura.

    Um Musicalíquida Live é uma ótima ideia, hein?

    Abraços!

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  8. Obrigado por responder Beni! Acabei misturando o produtor executivo e o produtor artístico no mesmo caldo, foi mal. Na verdade quis expressar o quão importante é a divisão entre músicos atrás das notas sonoras e o restante atrás das notas de 50 e 100 hehehe. Por enquanto temos - os novos independentes - a sensação de que é melhor assumir a parada toda , "faça você mesmo" apesar da doideira de misturar samples e cotas de patrocínio, tudo no quartinho. Às vezes sinto que meus comentários estão anos-luz atrás de vocês, mas enfim, é mais um ponto de vista!

    Abraços pessoal.

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  9. Beni, quem são esses artistas? Adoraria convidá-los a participar das nossas discussões e da nossa versão ao vivo.

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  10. É ele mesmo o próprio Beni, que aliás eu esqueci de listar ao seu lado e do Mr. Reznor lá no primeiro comentário.

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  11. Mas ainda seriam poucos. Quero mais, feito o Billy Corgan e o Corey Smith.

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