18 de abr. de 2009
Desmaterializar: mudando as maneiras de nos relacionarmos com produto e propriedade
Tradução livre de um artigo de Chris Arkenberg em Urbeingrecorded.
Há uma imensa e rápida mudança ocorrendo no terreno das ferramentas & tecnologia. Cada vez mais, produtos estão se desmaterializando e transformando-se em serviços. Esta mudança é impulsionada em parte pelos crescentes custos de produção e pela consciência cada vez maior dos impactos ambientais reais de se produzir bens duráveis e depois descartá-los jogando-os em aterros sanitários. É também uma resposta à rápida digitalização da cultura, empurrando bens de consumo para trocas de informação menos tangíveis, geralmente mediados por aparelhos cada vez mais fetichizados. Portanto, o conteúdo está se afastando de suportes fixos como discos e papel e, em vez disso, fluindo por redes e aparelhos.
Talvez o exemplo mais icônico e revolucionário desta tendência seja a dupla da Apple iPod e seu serviço, o iTunes. Ao longo dos últimos 20 anos, milhões e milhões de Cds, DVDs, embalagens e encartes impressos consumiram recursos em hard media irrecuperável ou pouco reciclável e enchendo os lixões. A Apple fundamentalmente reescreveu seu paradigma ao desmaterializar o conteúdo – música e filmes – e conectá-los diretamente com o player. Os custos energéticos e materiais foram conjugados em um (espera-se) aparelho mais durável, liberando o conteúdo transacional de enorme volume de uma carga imensa de recursos. Enquanto há custos de fabricação associados ao aparelho, o impacto é reduzido ao subtrair esses custos do conteúdo.
Tem havido, desde então, um movimento cada vez maior dos produtos em direção aos serviços, o que é facilmente mostrado com a ascensão dos serviços online na era da Web 2.0. As câmeras digitais são outro exemplo que, como o iPod, desvincularam a incansável produção de conteúdo de um suporte tóxico e não-renovável – nesse caso, filme e papel fotográfico. Da mesma forma, a própria produção afastou-se de tintas e papéis caros, tóxicos e desperdiçadores e rumou para a onipresença das telas. Mais e mais conteúdo “impresso” - antes domínio de revistas, jornais, livros e publicidade em geral – se afasta dos suportes palpáveis. Novamente, o padrão mostra o conteúdo livre dos subtratos materiais para mover-se sem esforço através de redes e aparelhos.
Há alguns efeitos interessantes desta tendência. Claro, a pirataria do conteúdo se torna consideravelmente mais fácil e barata. Conteúdo pode ser movido e copiado através das redes sem esforço, e proteção a cópias é apenas um conjunto de bits a ser crackeado. Como Stewart Brand argutamente observou, “informação quer ser livre” e a rápida digitalização da cultura reforçou radicalmente esta proposição, forçando cada indústria pré web a reavaliar completamente seus modelos de negócio.
Por outro lado, a "bitificação" do conteúdo e a democratização de poderosas ferramentas desktop de autoração potencializaram e encorajaram a tentação histórica de remixar e revitalizaram maciçamente nossa criatividade cultural. Ironicamente, numa época que permitiu a tantos criar tanto, a noção de propriedade intelectual tem menos respeito do que nunca. Quando seu conteúdo contém bits de 10 outros pedaços de conteúdo, ele pertence a quem? Como foi notado por muitos autores e analistas, o gênio saiu da garrafa.
Mas talvez o mais interessante sejam as mudanças comportamentais e psicológicas em resposta a essas tendências. À medida que as coisas se transformam em bits intangíveis, o fato de que não podemos mais tocar o produto sutilmente enfraquece a nossa noção mesma de propriedade. Começamos a considerar nossa relação com as coisas mais como algo com que interagir do que possuir. Se por um lado isso é potencialmente libertador, também facilita aos provedores de conteúdo assegurar propriedade total perpetuamente: você está meramente pegando emprestado um conteúdo através de um serviço provido pelo “real” proprietário. Sem a propriedade direta, estamos protegidos e ainda temos o direito de compartilhar?
Em relação ao conteúdo, a propriedade pessoal passou para o aparelho – o cada vez mais fetichizado recipiente pelo qual o conteúdo está fluindo constantemente. Nossos smart phones são extensões incrivelmente potencializadas de nós mesmos, conferindo habilidades inimagináveis ao dono. O mais simples e mais intuitivo desses aparelhos tornam-se uma segunda natureza, extensões de nossos corpos, facilmente conectando-nos uns aos outros, a conteúdos, a vastos estoques de conhecimento. É claro que fetichizamos tais objetos e é claro que nos tornamos dependentes deles.
A industrialização lamentavelmente otimizou seu modelo de negócio através da obsolescência planejada, com muitos produtos projetados para quebrar, forçando um aumento das vendas do próximo modelo. Sem dúvida, os aparelhos em que hoje confiamos tanto têm suas próprias falhas embutidas, sejam intencionais ou apenas consequência da margem de lucro, que incentiva a não investir em mais qualidade do que seja absolutamente necessária. Então, serão os benefícios da desmaterialização dos conteúdos de suportes baratos anulados pelas exigências de recursos e quebra inevitável de nossos aparelhos? Terá o impacto energético e ambiental poupado pela não utilização de papel duplicado pelo simples custo de fabricar e manter vastas server farms globais?
Qualquer avaliação real da desmaterialização dos produtos para os serviços deve considerar o imenso impacto da infraestrutura que a suporta. Apesar disso, é para onde estamos indo. Os aparelhos portáteis serão cada vez mais dedicados a conteúdo e transient marketing. As telas continuarão a se multiplicar a uma velocidade exponencial, se encaixando em cada aspecto de nossas vidas. Fabricantes de hardware serão cada vez mais observados por comitês de padrões internacionais e acionistas, prestando contas dos impactos ambientais e de carbono de seus processos. E a noção de objeto e propriedade continuará a ser desafiada de formas ainda desconhecidas.
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1"Enquanto há custos de fabricação associados ao aparelho, o impacto é reduzido ao subtrair esses custos do conteúdo".
ResponderExcluir2"Sem dúvida, os aparelhos em que hoje confiamos tanto têm suas próprias falhas embutidas, sejam intencionais ou apenas consequência da margem de lucro"
O maravilhoso mundo no qual chegamos, mais divertimento que isso só.... Tv por assinatura.
Postei sem querer na conta google da minha filha.
ResponderExcluirEste aí de cima sou eu
Humberto.
Clara já está combativa como o pai... rsrs
ResponderExcluirObsolescência planejada é uma prática já cinquentenária. O interessante é que, por conta das pressões ambientais, pode estar ficando... obsoleta. :) Wishful thinking? Talvez. Mas o que mais me interessa nesse texto é a descrição das consequências comportamentais e psicológicas da desmaterialização.
ResponderExcluirÀ medida que as coisas se transformam em bits intangíveis, o fato de que não podemos mais tocar o produto sutilmente enfraquece a nossa noção mesma de propriedade. Começamos a considerar nossa relação com as coisas mais como algo com que interagir do que possuir.Isso tem a ver diretamente com as nossas discussões sobre o futuro da música. Se tem o lado libertador, que permite o acesso, desfrute e recombinação criativa dos conteúdos, também traz consequências funestas, como a que ele cita: o poder vai para os provedores de conteúdo e não os criadores.
Outra consequência da relativização da autoria é a confusão que que se vê entre original e cópia, fato e invenção, verdade e fraude. Um jogo de espelhos. A própria Wikipedia está cheia de erros acidentais e intencionais. Já vi discrepâncias entre um verbete em português e o inglês. O mais grave são as fraudes e o uso que grupos e empresas fazem de identidades e perfis nos blogues e MySpaces da vida para difundir a sua "verdade".
Vejam o caso curioso da moça etíope com o iPod, que postei hoje. Havia dezenas de sites com a mesma foto. Gastei um bom pesquisando a fonte.