23 de nov. de 2009

Zerando o Copyright em 2013


Deu na Revista Digital de O Globo de hoje:

* * *
O fim é em 2013
Lei americana permitirá a artistas e escritores retomar direitos autorais

André Machado

No que diz respeito ao delicado terreno do entretenimento digital, podemos apostar que o fim do mundo não será em 2012, como quer o filme de Roland Emmerich, mas em 2013. A partir de então, as últimas três décadas da indústria cultural como a conhecemos poderão ir pelos ares graças à letra fria da lei — pelo menos a dos EUA. Isso porque, em 1976, o Congresso americano aprovou o Copyright Act, especificando que, se um compositor ou escritor vendeu os direitos de suas obras a uma gravadora ou editora antes de 1978, tem o direito de retomá-los 56 anos depois da venda (o que já permite a retomada, este ano, de quem gravou ou escreveu algo e cedeu os direitos até 1953, lá).

Pode ser um golpe duro para a indústria musical, que tem recorrido a tudo para se manter em pé — de ringtones de celulares a investimentos em turnês e shows, sem falar dos jogos do tipo Guitar Hero e Rock Band. E as editoras não ficam atrás, a vingar a onda iniciada pelo ereader Kindle, que já tem como concorrentes Sony Reader, Nook (da Barnes & Noble) e, recentemente, até o Intel Reader, capaz de passar converter textos impressos em forma digital. E sem falar de redes P2P, blogs e torrents com toneladas de ofertas de downloads, projetos como Google Editions e assim por diante.

Tudo isso está registrado na seção 304 da lei (www.copyright.gov/title17/92chap3.html#304.) Já na seção 203 está escrito que essa mesma retomada de direitos pode ser levada a cabo 35 anos depois da venda, se ela ocorreu depois de 1º de janeiro de 1978 (www.copyright.gov/title17/92chap2.html#203).

Esses 35 anos da última provisão citada vencem exatamente a partir de 2013, quando os artistas podem requerer de volta seu copyright e revendê-lo diretamente — pela internet... — sem a necessidade de intermediários.

Ainda há muito ranger de dentes, mas o desfecho da história pode não ser negativo.

Pelo contrário, afirma Renato Opice Blum, advogado brasileiro especializado em direito digital .

— A retomada dos direitos autorais certamente vai mexer com o mercado, gerar novas negociações e contratos e levar a um melhor aproveitamento das novas tecnologias — diz ele.

Existe um outro aspecto dessa “bomba-relógio” jurídica, que se aplica também ao Brasil, segundo o advogado e presidente do iCommons Ronaldo Lemos.

Nos contratos de artistas e autores brasileiros com as empresas, a questão é diferente da que está acontecendo lá fora.

— Nossa bomba-relógio é outra. Ela consiste no fato de que sempre que um artistas cede suas músicas para a editora, ele autoriza apenas o uso nas tecnologias existentes no momento da cessão — explica o presidente do iCommons. — Em outras palavras, muitos artistas que fizeram contratos nos anos 80 e até nos anos 90 não podem ter suas obras exploradas em ringtones de celular, internet e outras formas de utilização inexistentes até então.

Nos últimos tempos, encarniçadas batalhas judiciais pelos direitos autorais têm sido travadas nos EUA. Os herdeiros do escritor John Steinbeck (dos clássicos “As vinhas da ira”, “Sobre ratos e homens”), por exemplo, ganharam em 2006 e perderam em 2008 os direitos sobre seus livros, que ficaram com a Penguin Books. Já em agosto deste ano, os herdeiros de Jerry Siegel, um dos criadores do Super-Homem, ganharam os direitos sobre as primeiras histórias publicadas do herói, numa disputa com a Warner Brothers e a DC Comics.

Segundo o site Law.com, especializado em Direito, esses processos vão ficar ainda mais beligerantes a partir de 2013. De acordo com o site, advogados a serviço de artistas e grupos como Eagles, Journey, Barbra Streisand e outros já estão em campo pesquisando o estado de contratos antigos de seus clientes.

— Algo parecido está acontecendo aqui no Brasil.

Artistas como Gilberto Gil, Zé Ramalho e Chico Buarque estão pleiteando nos tribunais interpretações para retomar os direitos que cederam às editoras — lembra Ronaldo. — O fundamento é diferente dos EUA, não por conta de tempo, mas de outras peculiaridades da lei brasileira. A decisão do Gil saiu há alguns anos e ele conseguiu reaver na Justiça todos os seus direitos. O Chico e o Zé Ramalho ainda não têm decisões finais.

Richard Stallman, pai do movimento do software livre e um dos ativistas mais ferrenhos contra o estado atual do copyright, diz num ensaio que a própria concepção dos direitos autorais levou a distorções.

— O sistema de copyright provê privilégios e benefícios a autores e editores, para incentiválos a escrever mais e publicar mais, em benefício do progresso e do público — diz Stallman, que aponta o erro de dar poder excessivo aos editores por longos períodos.

— Mas, se o copyright é uma barganha feita em nome do público, deveria servir ao interesse deste acima de tudo. Eu jamais comprarei um desses e-books encriptados e restritos [leia-se Kindle, por exemplo], e espero que vocês os rejeitem também.

É o caso de esperar para ver o que os artistas farão quando lhes couberem a faca e o queijo na mão. Se a indústria deixar. Em 1999, tentouse uma emenda ao Ato de 1976, que não vingou.

Uma alternativa, ao menos para a indústria musical, seria gravar novas versões de velhas músicas, para criar novos prazos de direitos autorais, e deixar os antigos com os artistas.

Por ora, fica um bom exemplo do grande mestre Ray Charles, que negociou seu contrato com a ABC Records e pediu que os masters de suas gravações pertençam a ele. A reação do dono da gravadora foi algo como “Mas ninguém faz isso...”. Entretanto, o cantor conseguiu: o acordo, de novembro de 1959, deu-lhe o direito de reter todos os seus masters após a conclusão do contrato, garantindo-lhe segurança financeira. Um acordo mais liberal do que muitos artistas pop tinham então — e ainda hoje!.

6 comentários:

  1. Mas vem cá, como funciona na prática essa questão de cessão de direitos autorais às editoras? Qual a finalidade de se ter esse intermediário? Se componho, registro minhas músicas numa ordem dessas de músicos, e faço meu trabalho circular em rádios e internet, preciso de uma editora? Como isso se dá? Hugo

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  2. Hugo, a editora recolhe seus direitos junto às gravadoras. Não tem nada a ver com execução pública. Você não precisa editar, mas tem que correr atrás de todas as gravadoras que lançaram músicas compostas por você ao fim de cada trimestre. É um trabalhão. Para as canções que tocam no rádio, TV, shows, shoppings etc. quem recolhe é o ECAD e repassa à sua Sociedade Arrecadadora.

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  3. São dois tipos de direitos:
    1) Execução pública: música composta por você que é executada em rádios, TVs, shows, shopping centers etc. Esse direito é recolhido pelo ECAD e repassado à sua sociedade arrecadadora;
    2) Fono-mecânicos: direitos gerados por venda de disco, arquivo digital, DVD etc. Esse não tem nada a ver com o ECAD, são as editoras que o recolhe junto às gravadoras. Você não precisa editar, mas para correr atrás de todas as gravadoras dá bastante trabalho.

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  4. Entendi... Muito grato pelo esclarecimento. Mas, pelo que entendi, com a possibilidade cada vez maior de se lançar música de forma independente, sem a intermediação de gravadoras, me parece que o papel das editoras tende a ser cada vez menor, não? Ou estou errado? Ass. Hugo

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  5. Eu tenho um amigo que não relança um Cd dele, justamente porque os direitos estão com um fulando, que uer propora a ele um pirulito e duas balas juquinhas. Ele mesmo diz: para ceder direitos para um ze mané qualuqer prefiro dar de graça pro meu publico ou entao ficará no impasse !

    A arte no Brasil precisa parar de ser vista como coisa de desocupado e vagabundo. Quando toca na radio, esta na novela, vc é o querido... quando cessa tudo isso ficara seu talento, e se vc criou o direito TEM QUE SER SEU !!!!

    Esta faltando no Brasil tb (acho) um pouco de cultura digital : o cara compar seu ringtone, comprar seu album digital. As pessoas usam cada vez mais ipod, mp3 ...

    Acho que a quebra das gravadoras e majors demonstra que o artista não esta mais afim de aceitar qualquer pirulito em troca de horas dentro de um estudio !!!!

    :)

    Monika Reeve

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  6. Haveria muito o que dizer, mas quero falar especificamente do trecho
    "Uma alternativa, ao menos para a indústria musical, seria gravar novas versões de velhas músicas, para criar novos prazos de direitos autorais, e deixar os antigos com os artistas."

    Isso não corresponde ao previsto na Lei atual (a 9610/98). O direito de autor expira depois de 70 anos contados da morte do compositor. A gravação, ou regravação, dá sim à gravadora 70 anos de exclusividade sobre o fonograma, independente se a música está ou não em domínio público (sim, a lei é confusa mesmo).

    Um exemplo:
    "Último Desejo", composição de Noel Rosa, morto em 1937, está em domínio público desde 2008.
    A gravação original desta música, feita por Aracy de Almeida também em 1937, igualmente passou ao domínio público em 2008.
    Todas as regravações posteriores - como a da própria Aracy em 1950 - estão protegidas, e os direitos fonográficos pertencem às respectivas gravadoras.
    Deste modo:
    - se você quiser regravar "Último Desejo" hoje, não precisa ser autorizado por ninguém
    - se você quiser relançar em CD comercial a gravação original de "Último Desejo", também não precisa de autorização
    - mas para usar comercialmente qualquer regravação posterior, precisa ser autorizado pela gravadora, mas não por editora, já que o prazo legal de proteção expirou. Ganhará a gravadora, mas não a família de Noel - é o que dispõe a lei.

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