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Deu no Estadão este – mais uma vez – ótimo texto do Pedro Dória. Como complemento, sugiro a leitura de um post nosso sobre o mesmo tempo e tema, de alguns meses atrás.
Revolução Digital: o fim da escassez de informação
22 de janeiro de 2010
Por Pedro Doria
Se eu fosse um estudante de história, hoje, com mestrado ou doutorado à frente, me dedicaria a examinar a Europa no século entre 1450 e 1550.
Mas, antes, um pulo ao presente.
Não é difícil explicar como as tecnologias digitais viraram o mundo de cabeça para baixo. Começa com um conceito econômico básico: escassez. Se há demanda por um bem escasso, haverá gente disposta a pagar para tê-lo. A indústria que lida com informação – não só jornais como cá o Estado, mas também livros, música, cinema e tantos outros – se baseava na escassez de dois bens. Fazer cópia de informação – livro, disco, filme – era caro. E distribuir a informação copiada para vários pontos de uma cidade, estado ou país, era igualmente caro.
Tecnologias digitais, a internet entre elas, jogou o preço no chão. Não é de graça – banda larga, afinal, tem lá seu custo, computador e celular de ponta também – mas comparado ao que havia antes, é quase de graça.
Avatar custou 500 milhões de dólares para ser feito. É um filme particularmente caro. O problema é que filmes como Atividade Paranormal – 15.000 dólares – são também exceção, não regra. O preço de um bom filme está, no mínimo, na casa dos centenas de milhares. Sempre foi caro. Cidadão Kane, de 1941, saiu por 690.000 dólares (dá uns 10 milhões ajustando pela inflação). Mesmo o cinema independente: O Acossado, de Jean-Luc Godard, custou 82.000 dólares em 1960, 587.000 em dinheiro atual.
Tecnologia digital barateou equipamento, mas gente continua precisando de dinheiro. Bom fotógrafo, iluminador, figurinista. O que dá a um filme uma certa estética à qual nos habituamos é um conjunto grande de profissionais. El Mariachi custou 7.000 dólares em 1992. É um excelente filme B e lançou seu diretor, de Robert Rodriguez, para a fama. (Rodriguez fez de tudo nas filmagens.) Seu segundo filme, Desperado, saiu por 7 milhões. Bons filmes podem ser feitos por muito pouco, mas a economia tem efeitos imediatos na estética. Se, em algum momento, a indústria do cinema for incapaz de pagar pela produção, passaremos a ter filmes fundamentalmente diferentes. Nenhum juízo de valor aqui. Mas algo terá sido perdido.
O que sempre pagou o preço foi a exploração do fato de que copiar e distribuir era caro. Eram poucos os lugares nos quais se podia ver um filme. Com controle quase total sobre quem copiava e distribuía, muita gente fez fortunas ainda que pagando altos custos de produção.
Um elemento ainda protege a indústria do cinema. Os arquivos são grandes. As gravadoras foram duramente atingidas por volta de 2000, no momento em que modems mais rápidos e o início da banda larga fizeram com que a transferência de arquivos de música pela rede se desse em poucos minutos. E banda larga, evidentemente, aumenta de capacidade a cada ano.
Cinema é só um exemplo. Toda indústria que lida com informação está sendo atingida de uma forma ou de outra. Não é a primeira vez que algo assim ocorre. A imprensa de Johannes Gutenberg entrou em operação no ano de 1450. Não teve repercussão imediata na vida de seu criador, que morreu falido. Mas espalhou-se pela Europa toda nas décadas seguintes, barateando violentamente o preço da cópia de informação. Um século após, o continente estava completamente transformado.
Muitos livros e ensaios foram escritos para tratar dos efeitos da tecnologia de impressão. São amplamente conhecidos. Mas apenas um livro – The Printing Press as an Agent of Change, de Elizabeth Eisenstein – foi escrito para tratar das ansiedades e desconfianças do momento em que a mudança ainda estava ocorrendo.
É o período fascinante em que vivemos.