Recebi um texto super bonito sobre o direito autoral que tem diversos pontos importantes que disfarçam outros perigosíssimos com sua poesia. Muitos autores, inadvertidamente, assinaram esse manifesto do ECAD que rejeita, novamente, a fiscalização. E, como dizemos no GAP – Grupo de Articulação Parlamentar Pró Música -, quem não quer fiscalização tem que ser fiscalizado!
Antes do texto, vem uma cartinha informal, bastante simpática:
“Minha gente,
Aconteceu aqui no Rio um encontro para bater papo sobre as questões da nossa classe e nesse encontro, que foi super relax, rolou um texto com princípios gerais que fundamentam a nossa profissão, escrito pelo Antonio Cícero e pelo Fernando Brant, com a colabração do Kassin.
Vamos publicar o texto na internet e ele poderá ser assinado por autores, compositores, artistas e demais profissionais que – numa posição apartidária, independentemente de linha política, discursos, holofotes, imprensa e microfones – acreditam neste conceito fundamental como base para qualquer outra discussão.
Tem muita gente bacana que já deu o seu apoio, como meu amigo Erasmo Carlos, Nelson Motta, Marcos Valle, Joyce, Berna Ceppas, e por aí vai. A lista está crescendo e se vocês também quiserem se subscrever basta responder a este email que terei o prazer de inclui-los na lista.
Sintam-se à vontade também para encaminhar a quem vocês acharem que pode se identificar com o texto.”
Na assinatura desse pequeno texto se revezam Ronaldo Bastos, Sandra de Sá e muitos outros artistas importantes da história da MPB
Lá vai o texto, o meu comentário e as assinaturas:
“o autor existe.
o direito autoral é uma conquista da civilização, o contrário é a barbárie.
o direito autoral é um dos direitos humanos (carta da ONU).
ao autor pertence o direito exclusivo de utilizar sua obra (cláusula pétrea de nossa Constituição).
o direito autoral é um direito privado.
somos capazes de criar e administrar o que nos pertence. para isso, não precisamos da mão do Estado.
há dois lados na questão: o criador que quer receber e empresas que não querem pagar.
para resolver isso, a Justiça e o Estado podem e devem colaborar.
a lei atual protege os criadores no mundo real e no virtual. ela pode ser melhorada e aprimorada.
o que se passa na internet em relação ao direito autoral é transitório:
a tecnologia que cria supostos conflitos os resolverá.
todos os autores têm de ter à sua disposição todas as informações sobre o que se arrecada e se distribui.
essa comunicação tem de ser pública e oferecida, também, ao Ministério da Cultura.
a função social da arte é espalhar beleza e prazer estético para a humanidade.
a obrigação de tornar a cultura acessível a todos é do Estado, sem prejudicar o autor.”
É claro que a maioria dos pontos é de aceitação universal. Esse é o perigo! Misturado com essas verdades vêm algumas posições bastante dúbias:
“o direito autoral é um direito privado.
somos capazes de criar e administrar o que nos pertence. para isso, não precisamos da mão do Estado.”
Não é isso que essas fraudes divulgadas na imprensa têm demonstrado. A falta de regulamentação e fiscalização facilita os desvios, a corrupção e os inúmeros processos que não são bons nem para quem recebe nem para quem paga. Mais para frente no texto existe um parágrafo que quase contradiz essa “verdade”:
“há dois lados na questão: o criador que quer receber e empresas que não querem pagar.
para resolver isso, a Justiça e o Estado podem e devem colaborar.”
Agora o Estado deve intervir? Só para garantir o ECAD? E a negociação com a sociedade? E a cobrança justa? E o acordo ao invés do processo? Só vale o Estado se for para defender o monopólio, mas nunca para controlá-lo?
Nessa frase há outra meia-verdade. As empresas não querem pagar o que o ECAD quer cobrar, mas não querem deixar de pagar um valor justo. Cobrar 2,5% do faturamento bruto de uma empresa é se tornar sócia dela sem os riscos do negócio. É claro que muita gente vai entrar na justiça, para a alegria dos diretores das sociedades que dividem honorários advocatícios com os escritórios contratados, segundo reportagem do jornal O Globo. Cobrar 10% do borderô de um show é incentivar a corrupção dos fiscais do ECAD e a sonegação que rouba o dinheiro de nossos compositores. Se cobrássemos menos, teríamos menos inadimplência e desvio e nossos autores poderiam viver de shows.
É engraçada a certeza embutida na frase:
“a tecnologia que cria supostos conflitos os resolverá.”
Será? Será que não somos nós que temos que inventar formas novas de nos remunerarmos em função dessa nova realidade? Por que o ECAD quer distribuir os direitos pagos pelo YouTube segundo os critérios de amostragem das rádios FM que vivem de jabá? E a cada 6 meses? As coisas são muito mais imediatas e verificáveis no mundo tecnológico.
Mas o mais cínico está no parágrafo:
“todos os autores têm de ter à sua disposição todas as informações sobre o que se arrecada e se distribui.
essa comunicação tem de ser pública e oferecida, também, ao Ministério da Cultura.”
Isso eu assino feliz! Mas, se temos esse direito, por que até agora ele nos foi negado pelo ECAD e pelas associações que o integram? É isso que vimos pedindo e que nos tem dado a pecha de radicais e de inimigos do direito autoral – embora estejamos verdadeiramente do lado dos autores, já que tiramos parte dos nossos sustentos daí. Agora, como vimos batendo nessa tecla, acenam com a possibilidade de começarem a nos dizer quais são as regras do jogo que temos jogado no escuro desde sempre.
Não condeno o texto todo, mas com algumas edições poderíamos todos, autores, artistas, intérpretes, produtores, público, sociedade, assinarmos felizes:
“o autor existe.
o direito autoral é uma conquista da civilização, o contrário é a barbárie.
o direito autoral é um dos direitos humanos (carta da ONU).
ao autor pertence o direito exclusivo de utilizar sua obra (cláusula pétrea de nossa Constituição).
o direito autoral é um direito privado.
mas a Justiça e o Estado podem e devem colaborar.
a lei atual protege os criadores no mundo real e nem tanto no virtual. ela pode ser melhorada e aprimorada.
todos os autores têm de ter à sua disposição todas as informações sobre o que se arrecada e se distribui, além de poder opinar sobre valores e pertinências das cobranças.
essa comunicação tem de ser pública e oferecida, também, ao Ministério da Cultura e à sociedade.
a função social da arte é espalhar beleza e prazer estético para a humanidade.
a obrigação de tornar a cultura acessível a todos é do Estado, sem prejudicar o autor.”
Para terminar vou citar uma entrevista do autor do texto e atual diretor da UBC - União Brasileira dos Compositores - que parece ter acontecido em outra encarnação. Com a palavra, Ronaldo Bastos:
" O artista brasileiro pode ser de oposição, lutar, dentro ou fora do seu trabalho, pela mudança do regime, mas não pode fugir dessa fria constatação : sem a atuação decisiva do governo no controle da arrecadação dos direitos autorais e direitos conexos, não há saída. E indaga - Por que, até hoje, o governo não tomou para si essa tarefa? Muito dinheiro de impostos está sendo desviados, sem que, até agora, tenha sido tomada uma atitude mais drástica. Esperar pela iniciativa oficial, porém, músicos e compositores não podem. " (Estado de São Paulo, 9/5/1982)
Esse povo aí assinou a primeira versão. Será que sabem o que assinaram? A Fafá de Belém já disse ao Dudu Falcão que assinou porque o Fernando Brandt (Presidente da UBC) pediu. A essa altura talvez já tenha mudado de ideia.
Abel Silva
Alcione
Alexandre Camara
Alexandre Kassin
Aloysio Reis
Alvinho Lancellotti
Amaro Peres
Ana Terra
André Leonno
Antonio Adolfo
Antonio Cícero
Arthur de Faria
Ary Sperling
Berna Ceppas
Beto Guedes
Caetano Veloso
Carlinhos Brown
Carlos Lyra
Carlos Madruga
Carlos Rennó
Celso Fonseca
Claudio Jorge
Claus Fetter
Cris Braun
Dalto Medeiros
Danilo Caymmi
Dante Ramon Ledesma
Dedé Badaró
Dori Caymmi
Duca Leindecker
Edmundo Souto
Egberto Gismonti
Elder Effe
Enzo (Enzo e Rodrigo)
Erasmo Carlos
Fábio Trummer
Fafá De Belém
Fátima Valença
Fausto Nilo
Fernando Brant
Fernando Cavallieri
Flávio Venturini
Frank Solari
Fred Zero Quatro
Gabriel Pondé
Geraldo Vianna
Gildário de Assaré
Guilherme Arantes
Herminio Bello de Carvalho
Ivor Lancellotti
Jards Macalé
Jeronimo Jardim
Joca Perpignan
Jorge Portugal
Joyce
Jussara Silveira
Leleo
Leo Esteves
Leo Gandelman
Leo Henkin
Lu Horta
Luciano Salvador Bahia
Maestro Marlos Nobre
Marcos Sacramento
Malu Aires
Manoel Pinto
Marcelo Bonfá
Marcelo Costa
Marcelo Frota
Marcílio Mendonça
Márcio Borges
Marcio Tapajós
Marcos Valle
Marcos Sacramento
Maria Luiza Nobre
Marlon Sette
Murilo Antunes
Nelson Motta
Nenung (Os The Darma Lóvers)
Orlângelo Leal
Oscar Soares
Paulo Jobim
Paulo Monte
Paulo Ró
Paulo Sergio Valle
Pedro Morais
Ramon Cruz
Raul Ellwanger
Renato Ladeira
Roberto Menescal
Rodrigo (Enzo e Rodrigo)
Ronaldo Bastos
Rubinho Jacobina
Ruy Castro
Sacha
Sady Homrich (Nenhum de Nós)
Sandra de Sá
Serginho Herval
Sérgio Santos
Sueli Costa
Tavinho Moura
Tavito
Torcuato Mariano
Totonho e Os Cabra
Túlio Mourão
Tuninho Galante
Turíbio Santos
Tuta Aquino
Von Kilzer
Wado
Yé Borges
Zeh Rocha
Zuza Homem de Mello
13 de mai. de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
O equilibrio é uma boa moeda .Liquída e net,contra o bruto.
ResponderExcluirMe parece covardia recorrer a uma entrevista de 1982. Mudou o mundo,o Brasil,as sociedades de gestao se profissionalizaram,o Ecad idem,mudamos todos.Mudou o mercado ,o autor e o consumidor.Feio nao é mudar de idéia ,mas nao ter idéias pra mudar.
Se o governo fosse uma fiscalizador confiável,desburocratizado e objetivo, seria de se considerar sua contribuicao. Mas esta decididamente nao é a realidade,portanto nao pode ser a única solucao.Devemos ser mais criativos.