6 de jun. de 2011

Minha participação na Audiência Pública sobre o ECAD na Câmara dos Deputados

No dia 2/06 fui a Brasília para participar de uma Audiência Pública da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados sobre Direitos Autorais. Na pauta dessa audiência o assunto era o ECAD.

Aqui vai o texto que escrevi para a ocasião e o link para quem tiver vontade de ouvir os 15 minutos da minha exposição:

Audiência pública sobre o ECAD na Câmara dos Deputados
Bom dia às senhoras e aos senhores deputados, aos funcionários da casa, aos meus companheiros de mesa e a todos aqui presentes.
Antes de tudo eu quero me apresentar. Meu nome é Leoni, sou músico e compositor profissional há 30 anos e preciso dizer que meus direitos autorais me ajudam muito a ter uma vida confortável. Assim como a diversos dos outros artistas que fazem parte do nosso grupo o GAP – Grupo de Ação Parlamentar – que já conseguiu importantes vitórias para a classe. Entre nossos colaboradores mais conhecidos estão Ivan Lins, Francis Hime, Fernanda Abreu, Frejat, Tim Rescala, Dudu Falcão, Eduardo Araújo, Sérgio Ricardo, Leo Jaime e diversos nomes que representam toda a cadeia produtiva da música. Fomos responsáveis pela carta da Terceira Via dos direitos autorais assinada por artistas e criadores de todas as gerações como Tulipa Ruiz, Jair Rodrigues, Zélia Duncan, Ana Carolina, Jorge Vercilo, Evandro Mesquita e centenas de outros. A carta e as assinaturas estão no site: http://brasilmusica.com.br/site/destaque/terceira-via/ . Nela deixamos claro que não somos contra o ECAD, nem contra o direito autoral. E achamos que a centralização das cobranças da gestão coletiva é o mais aconselhável.
Isso não impede que tenhamos críticas fortes à forma como o direito autoral da música é administrado.
As recentes e surpreendentes (para a mídia, mas não para nós compositores) denúncias de fraude envolvendo o ECAD, das quais sei que quase todos os presentes devem ter tomado conhecimento pelos jornais, revistas e TVs, dão conta de que seu sistema é extremamente frágil, ineficiente e nada confiável, embora o órgão insista em dizer o contrário. Seus cadastros não têm uniformidade, não há critérios para desambiguação de obras homônimas, os registros são frouxos e não exigem nenhuma comprovação além da palavra de quem se declara autor. Mesmo o Ecadnet, site com todas as obras registradas pelas sociedades no Escritório, que deveria ser uma solução tecnológica importante, é tão falho e cheio de erros que nos assusta. Fiz o levantamento de algumas obras famosas minhas da época do Kid Abelha como Lágrimas e Chuva, Educação Sentimental, Como Eu Quero e Fixação e em nenhum dos casos a banda era citada como intéprete. O mesmo para canções da Legião Urbana em músicas como Ainda é Cedo, Há Tempos, Meninos e Meninas, Índios, Quase Sem Querer e Tempo Perdido. Pior ainda é Será, que nem consta entre os autores das diversas obras homônimas o nome do Renato Manfredini, mais conhecido como Renato Russo. Dá para passar dias descobrindo furos estarrecedores como o amplamente divulgado caso da família Silva.
Se dizendo vítima e não assumindo responsabilidade pelas fraudes o ECAD encobre o fato que as vítimas são os autores que pagam regiamente o órgão e suas sociedades (25%) para cuidar de seus interesses, mas esse serviço tem se demonstrado ineficiente.
Tanto critérios de cobrança e distribuição quanto outras informações relevantes são negados ou extremamente dificultados aos compositores.
Tenho uma amiga que foi destratada porque insistia em ter o balanço de sua sociedade e teve que esperar por duas horas até que alguém o imprimisse, num claro caso de operação-tartaruga para fazer com que ela desistisse.
Numa outra situação, um de nós que tentou assistir uma assembleia de sua sociedade foi retardado por um dos diretores nos corredores da instituição por tanto tempo, apesar de suas tentativas de prosseguir rumo à dita assembleia que quando conseguiu se desvencilhar do mesmo esta já havia terminado. Aqui foi a operação-biombo.
Soubemos do acordo do ECAD com o YouTube pela imprensa. E nunca ficaram claros nem os valores que já estão sendo pagos nem os critérios de distribuição, que ficaram de ser definidos posteriormente. Muitos dos artistas que compõem o GAP tentaram averiguar com suas sociedades sem obterem sucesso.
Justamente por reagir de forma feroz a qualquer tipo de fiscalização é que o ECAD precisa ser fiscalizado.
Origem
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição foi criado a pedido dos compositores, para centralizar a gestão do direito autoral, pois eram tantas as sociedades que o usuário não sabia a quem pagar. É, portanto uma conquista da classe. Não somos contra o ECAD, nenhum compositor em sã consciência é contra algo que lhe beneficia tanto, mas contra a sua atuação sui-generis
O ECAD é único no mundo. Embora exerça um monopólio concedido pelo estado, a lei vigente não permite que este mesmo estado exerça a necessária fiscalização e regulação da atividade do órgão. O CNDA-Conselho Nacional de Direito Autoral, que exercia estas prerrogativas, criado junto com o ECAD em 1973, teve suas atribuições esvaziadas, deixando o ECAD, a partir de 1990, sem qualquer tipo de controle ou fiscalização.
Ao longo de sua história o ECAD sofreu várias intervenções. Foi alvo de 3 CPIs. Nas três foram comprovadas graves irregularidades. Porém, mesmo que seus relatórios finais, com textos contundentes, tenham produzido listas de pessoas a serem indiciadas e de terem denunciado coerção do trabalho dos congressistas por parte do ECAD, ninguém até hoje foi punido.
O ECAD diz que representa os autores e que é vítima de uma campanha sórdida orquestrada pela mídia – a principal interessada em enfraquecê-lo.
Isso é mentira. Eu sou um autor, meus companheiros do GAP idem. Queremos, ao contrário, fortalecer o ECAD e dar a ele transparência e credibilidade – algo que hoje lhe falta. Não estamos em dívida com o Escritório, nem somos parte da mídia. Se nós não nos sentimos representados nem por ele, nem por nossas sociedades, quem eles representam?
O ECAD atualmente é formado por 9 sociedades, sendo que 6 são efetivas: UBC, ABRAMUS, AMAR, SOCIMPRO, SBACEM e SICAM. As outras 3, ASSIM, SADEMBRA, ABRAC, são administradas. Diz o parágrafo primeiro do artigo 99 da lei 9610:
O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem.”
Se das 9 sociedades que integram o ECAD, apenas 6, as Efetivas, têm direito a voto, vemos que o § 1º da lei 9610 não é respeitado faz tempo. Se as administradas não votam, seus associados então não são representados pelas suas sociedades e muito menos pelo ECAD.
Pela lei 5988 de 1973 eram três os critérios a nortear a apuração dos votos para cada sociedade dentro da assembleia do ECAD: 1) número de sócios, 2) peso do repertório e 3) arrecadação. O dois primeiros foram abandonados com o tempo. Ficou apenas o terceiro, a arrecadação. Manda mais então quem arrecadada mais no ano anterior. As administradas não têm sequer permissão para frequentar as assembleias.
É o poder econômico que é representado pelo ECAD e não os autores. Nós, compositores, ficamos apenas com 37,5% do total do direito de execução pública.
O ECAD publica regularmente rankings com os maiores arrecadadores, incluindo apenas compositores, mas na verdade os maiores arrecadadores são as editoras multinacionais, cujos ganhos não são revelados – dos 25 maiores arrecadadores só 6 são compositores. Por que esconder dos autores e da sociedade os maiores “detentores de direitos autorais”? São esses e não os autores que insistem em processar fãs de música que baixam arquivos na rede.
Diversos critérios de distribuição apontam claramente para o atendimento dos interesses de editoras e gravadoras, que são poucas e poderosas, e não aos da massa dos autores.
Vocês devem ter ouvido várias vezes que o ECAD é das Sociedades e que estas são dos autores. Pela nossa irrelevância econômica já deve ter dado para perceber que a coisa não é tão democrática quanto se apregoa. Se fosse, com tanta insatisfação, como as duas maiores sociedades seriam comandadas pelas mesmas pessoas há 30 anos?
Vejam que interessante o Artigo 5, parágrafo 5 do Estatuto da UBC:
§ 5° - Os autores, compositores e editores que solicitarem ingresso na Associação permanecerão na categoria de Associados Administrados durante no mínimo doze meses, contados a partir da aceitação de sua proposta de filiação, pela Diretoria. Decorrido esse prazo a Diretoria poderá aprovar seu ingresso nas categorias de Associado Efetivo ou de Associado Editor, conforme o caso, dependendo da rentabilidade das obras das quais sejam titulares.

E o artigo sexto sela a impossibilidade de representação efetiva dos descontentes com os rumos de sua Sociedade:

Art. 6º - Caberá nas Assembléias Gerais 20 (vinte) votos a cada associado da categoria de Associado Fundador e no mínimo 1 (um) voto a cada associado das categorias de Associado Efetivo e Associado Editor, podendo vir a ser atribuído, a cada associado, até 20 votos nos termos do disposto no Regimento Interno da Sociedade.

§ 3º - As demais categorias de associados – administrados citados acima - não terão direito a voto.
Ou seja, só vota quem recebe muito. E quem recebe muito, em geral não quer reclamar. E os que recebem pouco estão proibidos de reclamar.
Com isso os dirigentes das sociedades se eternizam no poder. O presidente da Abramus, por exemplo, está no cargo há vinte e nove anos. Alguns diretores, ao atingirem os limites de reeleição fixados nos estatutos, se reelegem através de suas editoras. Muitos, aliás, com dupla representatividade na diretoria. Um diretor é sócio de outro numa editora. Este outro é sócio de um terceiro e todos integram a mesma diretoria.
Para resolver esse engessamento da gestão coletiva dos direitos autorais no Brasil, vou citar um amigo GAP: “O buraco é mais em baixo e a instância é mais em cima .
As sociedades com direito a voto só se unem quando há um inimigo externo e o maior deles parece ser a fiscalização.
As atas das assembleias do ECAD dão conta, não só de confrontos de interesse, mas de acusações claras de ilícito criminal entre elas, explicitando maquiagem de balanços, pagamento de comissões à superintendente e aos diretores, mesmo quando o órgão está deficitário.
Há um número absurdo de ações na justiça envolvendo o ECAD e as sociedades, tendo chegado já a sete mil. Este é um sinal, incontroverso, de que algo vai mal com a gestão.
Numa das reportagens recentes sobre as fraudes no órgão, fala-se da divisão de honorários de sucumbência entre o departamento jurídico e os próprios presidentes das sociedades, que atuam também como advogados nas ações, como denunciado pelo jornal O Globo. Na ação entre a TV bandeirantes e o ECAD, recentemente, estes honorários teriam chegado a 7 milhões de reais. Seria essa a razão para tantas ações na justiça?
A quem interessam então essa ações milionárias? Não seria muito mais saudável e menos custoso que se resolvessem esses litígios através de um poder moderador e arbitral exercido pelo estado?
Ao compositor que se sente lesado pela atuação do órgão resta apenas apelar ao judiciário, visto que as sociedades, de fato, não o representam, podendo mesmo virarem-se contra ele e processá-lo criminalmente. E fazem isso usando o próprio dinheiro do compositor.


Conclusão
Defendemos veementemente que o estado volte a exercer o seu dever de normatizar e fiscalizar o sistema de arrecadação e distribuição do direito autoral no Brasil, como acontece no mundo todo, em praticamente todos os países que praticam a gestão coletiva.
Se está tudo certo com a administração do sistema, como dizem, não há razão para temer nenhuma fiscalização. Esta só fará com que o órgão adquira respeitabilidade, credibilidade e transparência.
O Ministério da Cultura realizou um excelente trabalho, organizando seminários sobre direitos autorais desde 2007, reunindo todos os envolvidos no processo: ECAD, sociedades e artistas. Este debate gerou um anteprojeto de lei, que ficou em consulta pública por 75 dias. A sociedade aguarda então que este texto, e não outro, seja submetido ao Congresso.
Para além da reforma do direito autoral, queremos um ente regulador que possa dar conta dos novos tempos, que possa investir em soluções tecnológicas e plataformas para a arrecadação e distribuição do direito autoral para o mundo digital e físico. Nada está sofrendo tantas transformações nesses novos tempos quanto o direito autoral. E não é só na música. Os jornais, livros, filmes, textos científicos e tudo que é digitalizável tem que encontrar novos caminhos para remunerar autores sem punir os usuários. E não podemos ficar esperando que a lei seja o caminho. Sabemos que esta vem sempre a reboque dos costumes que mudam cada vez mais rápido e mais inesperadamente.
O ECAD não tem tecnologia nem estrutura para, enquanto faz insatisfatoriamente seu papel de arrecadar e distribuir, investigar e criar soluções para esse vertiginoso mundo em transformação. Um ente técnico/científico independente com a participação da sociedade e dos autores terá. O que trará muito mais eficiência ao trabalho do ECAD, cuja importância tende a crescer muito daqui para frente diante da enormidade que será a receita gerada na rede à disposição dos autores.
Mas, sobretudo, queremos a criação de um ente regulatório do Direito Autoral – e aí não estamos falando só de música – porque ele está previsto em Lei. Pedimos então a obediência ao Plano Nacional de Cultura, sancionado pelo presidente Lula em 3 de dezembro de 2010 e que estabelece, dentre outras medidas, em seu artigo 1.9.1, a criação de instituição especificamente voltada à promoção e regulação de direitos autorais e suas atividades de arrecadação e distribuição.
Acredito que com bom senso e equilíbrio criaremos um caminho que servirá de exemplo para o mundo. Que a força criativa da arte nos ilumine. Muito obrigado.